O modelo slow de produção
Na Itália, um grupo de
empresários descobriu que ser pequeno pode ser a alma do negócio.
“Não tenha pressa.
mas não perca tempo.” Quando o escritor português José Saramago
escreveu esta frase, provavelmente não se referia ao mundo
empresarial. Mas hoje já existem empreendedores que pensam assim e
têm como foco não mais o crescimento contínuo e a alta
produtividade e sim a qualidade de todo o processo produtivo, das
matérias-primas ao produto final. São empresas que adotam um novo
modelo de trabalho inspirado na Filosofia Slow. para entender como
funcionam esses negócios é preciso voltar no tempo e ir até a
itália, onde tudo começou.
Em 1986, o italiano
carlo petrini criou o slow food, uma associação cujo objetivo é
valorizar culturalmente os alimentos e o prazer de comer bem e, desse
jeito, fazer frente à dominação do fast-food. Mais do que se opor
ao paradigma da velocidade, o slow food defende um novo conceito de
qualidade, que leva em conta não apenas o sabor, mas também como e
por quem o alimento foi produzido. A partir daí surgiu a definição
de que um produto deve ser “bom para o consumidor, limpo para
preservar o meio ambiente e justo ao respeitar os trabalhadores.”
O slow food cresceu.
Hoje são 100.000 sócios em mais de 130 países. A palavra slow
ganhou autonomia e virou tendência. Do Japão à Noruega, dos
Estados Unidos à Holanda, surgiram movimentos como slow città, slow
design, slow home, slow money, slow manager, slow europe, slow life.
Até que a filosofia slow começou a inspirar também o modo de
produzir de algumas empresas. “Hoje já existem empreendimentos que
podemos definir como slow, no sentido de que têm o foco não apenas
na qualidade sustentável dos produtos, mas também na qualidade dos
processos produtivos”, afirma Anna Meroni, professora da faculdade
de design do Politecnico di Milano, que estuda a aproximação do
conceito slow do design. quando aplicado ao mundo empresarial, o
modelo ensina que produtos de qualidade não podem ser reproduzidos
ao infinito: a produção será limitada pelas matérias-primas, pelo
uso de recursos naturais e pela mão-de-obra. Além do novo conceito
de qualidade, a valorização dos saberes e tradições locais é
outro princípio respeitado pelos empreendedores que produzem de um
jeito slow.
Essas empresas
encontram um crescente mercado consumidor não mais formado pelos
“caçadores de pechinchas”, descritos pelo economista Fritz
Schumacher, no livro O Negócio É Ser Pequeno, como consumidores que
não estão interessados na origem dos bens ou nas condições em que
foram produzidos, e sim em conseguir o máximo com seu dinheiro. “O
consumidor moderno está disposto a pagar um pouco mais por um
produto com uma qualidade 'holística' que contempla processo
produtivo, embalagem, história, território, ambiente e ética”,
afirma Danielle Borra, professora de marketing dos produtos de
qualidade da Università Degli Studi Di Scienze Gastronomiche. “Ele
tende a conter os consumos em termos quantitativos e a reorientá-los
no sentido da qualidade, mesmo em tempos de crise.”
Nos Estados Unidos,
país com maior número de adeptos do slow food depois da Itália, os
consumidores em busca de produtos saudáveis e sustentáveis já
movimentam cerca de US$ 209 bilhões. um mercado e tanto para os
produtos das “empresas slow”, que se diferenciam por suas
qualidades e valores intangíveis. De acordo com a professora
Danielle, hoje os componentes de qualidade menos tradicionais, como
os éticos e os sociais, são cada vez mais vistos como fatores de
competitividade. e devem ser usados para criar uma diferença de
percepção dos consumidores e determinar as suas escolhas. “O que
se busca em um produto de qualidade são, principalmente, componentes
emotivos”, afirma a estudiosa. “É preciso criar uma emoção que
pode nascer de diferentes fatores, como o território de origem, a
tipicidade, o respeito ao meio ambiente, o bem-estar dos animais e a
ética. tudo isso pode ser usado para comunicar o produto.” é o
que fazem, por exemplo, três pequenas empresas italianas, a Antica
Dolceria Bonajuto, a Torrefação Caffè Mokarico e a Loison
Pasticceri.
Como faziam os astecas
Na rua principal da
pequena cidade de Modica, no sul da Itália, funciona desde 1880 a
Antica Dolceria Bonajuto, produtora de doces artesanais e chocolates
feitos apenas com cacau, açúcar e especiarias, como canela e
baunilha. Ali, a massa do chocolate é trabalhada por cerca de 30
minutos a uma temperatura que não passa dos 45°c, processo que
permite que os cristais de açúcar não se desmanchem, garantindo
uma textura diferente ao chocolate, e faz com que sejam mantidos os
infinitos aromas das sementes de cacau. Chocolate como faziam os
astecas, uma herança deixada em Modica pelos espanhóis, quando
dominaram a Sicília. “Nós somos o exemplo de como a memória pode
se tornar empresa”, afirma Franco Ruta, bisneto do fundador da
dolceria, Francesco Bonajuto, e hoje responsável pelo negócio junto
com o filho Pierpaolo.
Mas se em Modica o
chocolate faz parte da cultura e da alimentação popular, coube a
Franco e a Pierpaolo fazer um produto personalizado ultrapassar as
fronteiras da cidade e até mesmo do país. Em 1992, quando o pai de
Franco ficou doente e resolveu fechar as portas da dolceria, eles
decidiram assumir o negócio. “Nós somos detentores de um
patrimônio culinário que não existe em outro lugar do mundo. Eu
não poderia deixar isso morrer”, afirma Pierpaolo.
Hoje, o seu maior
mercado é a Itália, mas a dolceria também vende para os Estados
Unidos, o Japão, a Alemanha e a Áustria. Apesar do bom desempenho
da empresa, os Ruta sabem que, para manter a qualidade e as
características particulares do seu chocolate, precisam aceitar
certos limites de produtividade. Nada de grandes escalas. “Não
vemos isso como uma condenação ou entrave à nossa participação
no mercado. continuamos trabalhando de forma artesanal por escolha”,
afirma Franco. “É muito fácil automatizar todo o processo
produtivo, mas não se podem automatizar as emoções e são elas que
queremos despertar nessa e nas próximas gerações. “ Em 2008, a
dolceria, que conta com apenas 11 funcionários, faturou 900.000
euros e teve um crescimento de 25% nos últimos dois anos. Mas para
Pierpaolo poderia ter sido menos. “Sempre digo que, antes dos
números, devemos olhar as emoções. não acordamos de manhã com o
objetivo de fazer crescer o nosso faturamento, mas queremos dizer ao
mundo que estamos aqui.”
Café com segredo
Atrás de uma xícara de café expresso se esconde um longo processo que envolve o tipo de clima e de terreno, a colheita de grãos e o transporte de sacas, além do trabalho de agricultores e vendedores. Um processo invisível que não se percebe em um gole de café. Mas a torrefação italiana Caffè Mokarico começa a mudar essa história. “Para conseguir um espaço no disputado mercado de café decidimos apostar em uma produção correta e transparente”, conta Marco Paladini, proprietário da pequena empresa onde trabalham 29 pessoas. E então vieram as certificações. Primeiro a ISO 9001 atestou a qualidade do processo produtivo, depois a ISO 14001 certificou a gestão ambiental da empresa e, por último, a respeitada SA 8000, que implica na inspeção de todo o processo produtivo - do cultivo à colheita, terminando na torra e venda. Essa última fez da Mokarico a primeira e única empresa de torrefação do mundo triplamente certificada.
“Só exibir a
certificação, porém, não basta. Elas não são suficientes para
fazer uma empresa crescer”, diz Paladini. “O segredo está no
equilíbrio entre produto e serviço, para agradar ao consumidor.”
É por isso que, apesar das reconhecidas qualidades éticas e
ambientais, Paladini não descuida da excelência do seu produto.
Medalha de ouro no concurso International Coffee Tasting 2006, na
categoria café expresso, a empresa lutou pela certificação do
cappuccino italiano e ainda mantém um centro de formação para
baristas, de modo que o seu café seja sempre servido da maneira
ideal. O preço do quilo do café tipo bar varia entre 17 e 22 euros
na Itália, valores, de acordo com o empresário, alinhados com os
cobrados pelos produtos do gênero. A torrefação faturou em 2007
cerca de 4 milhões de euros, com previsão de fechar 2008 no mesmo
patamar. Hoje, além da Itália, o Caffè Mokarico é servido nos
Eua, na Rússia, na Alemanha, na Dinamarca, na Grécia e na Holanda.
Os panetones de 72
horas
Manteiga fresca, ovos
de galinha caipira, farinha especial, mel e açúcar de beterraba.
Mais 72 horas de trabalho e descanso. Para aromatizar, amêndoas de
Avola, cascas de laranjas sicilianas, avelãs da região de Langhe. É
assim, respeitando os limites do tempo e da fermentação natural que
são produzidos, um a um, os panetones da Loison Pasticceri, sediada
em Costabissara, no nordeste da Itália. Enquanto a empresa de Dario
Loison produz cerca de 5.000 panetones por dia, uma indústria
convencional fabrica até 180.000 unidades. “Como somos pequenos,
jamais poderíamos competir em quantidade e preço com os grandes
fabricantes, apenas com o produto e o serviço”, diz Loison. “Então
apostamos na criação de um panetone único, envolto em embalagens
especiais, feitas à mão.”
O empresário, que
assumiu a empresa familiar em 1993, resolveu focar na produção de
alta qualidade e na exportação. Hoje seus produtos são vendidos em
mais de 30 países, entre eles, o Brasil. Além dos panetones, a
pasticceri produz colombas de Páscoa e biscoitos finos. Os produtos
são embalados em latas decorativas ou em caixas que combinam fitas e
cores. Embrulhos preciosos desenvolvidos por Sonia, mulher de Loison.
O conceito de produção, que privilegia a qualidade e não a
quantidade, é comunicado aos consumidores em um libreto que
acompanha cada embalagem e conta a história do produto - da origem
dos ingredientes às diferentes etapas de fabricação. Mas o
empresário admite que comunicar o “valor slow” e a qualidade
superior dos ingredientes que utiliza não é tarefa fácil. “Só
experimentando um dos nossos perfumados panetones para sentir a
diferença. no nosso caso é preciso provar”, afirma. Por isso, de
acordo com Loison, a participação em feiras especializadas é muito
importante.
A empresa fatura cerca
de 5 milhões de euros por ano, 50% com vendas ao exterior. E
anualmente seus panetones artesanais ganham mais e mais prêmios de
excelência. Mas Loison não está sozinho nesse mercado. No país do
panetone, são muitas as empresas que apostam na alta qualidade
artesanal. Para conseguir destaque, a pasticceri se concentrou na
escolha das matérias-primas. Além dos ingredientes de base, utiliza
produtos de origem controlada e tutelados pelo slow food, como
pistaches do Bronte, favas de baunilha Mananara, de Madagascar, e
tangerinas tardias de Ciaculli. Todo esse cuidado, porém, tem um
preço: enquanto um panetone industrial de 1 quilo custa, em média,
entre 2 e 5 euros nos supermercados, o mais simples panetone Loison é
vendido, na Itália, entre 15 e 18 euros. Preços que, para o
empresário, estão de acordo com a qualidade do produto. De
preferência, a ser degustado bem devagar.
Matéria publicada por International Sites Brasil (www.internationalsites.com.br), em parceria com a Gráfica Muito Mais Barata (graficamuitomaisbarata.blogspot.com.br) e o Portal Consultas Contábeis (consultascontabeis.blogspot.com.br). Editores: Flávio Del Puente (Vendas e Marketing), Clara Cont (Contabilidade e Finanças) e Mauro Marques (Gestão e Empreendedorismo).
Matéria publicada por International Sites Brasil (www.internationalsites.com.br), em parceria com a Gráfica Muito Mais Barata (graficamuitomaisbarata.blogspot.com.br) e o Portal Consultas Contábeis (consultascontabeis.blogspot.com.br). Editores: Flávio Del Puente (Vendas e Marketing), Clara Cont (Contabilidade e Finanças) e Mauro Marques (Gestão e Empreendedorismo).